Entrevista: Há 22 anos no Oriente Médio, entre idas e vindas ao Brasil, técnico do Al Raed fala sobre a vida no mundo dos Xeques e o intercâmbio de jogadores

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Luis Antônio Zaluar, o mais árabe dos treinadores brasileiros
 

Mudar de vida, de rotina, e ter que se adaptar a uma cultura totalmente diferente da que se está acostumado. Essa aventura, que em muitos causa medo, estranhamento, já virou normal para um treinador de futebol brasileiro. Luis Antônio Zaluar, comandante do Al Raed, da cidade de Buraydah, na Arábia Saudita, vive há 22 anos no país, entre algumas idas e vindas ao Brasil.

Já acostumado ao idioma e aos costumes locais, Zaluar consegue uma verdadeira façanha: realizar as preleções em árabe. Fazendo tal trabalho, o treinador funciona como uma espécie de tradutor aos brasileiros que lá chegam.

Apesar de já ter trabalhado no Rio de Janeiro (vice-campeão Carioca com o Americano em 2002), em São Paulo, em Fortaleza (bi-campeão Cearense com o Fortaleza), no Joinville-SC e no Paysandu, Zaluar não é tão conhecido no Brasil. Para o treinador, a ida para o mundo dos Xeques é importante buscar estabilidade financeira, já que no Brasil não há trabalho para todo mundo.

Por telefone, Luis Antônio Zaluar conversou sobre esses e outros assuntos, na entrevista que você confere abaixo.

GLOBOESPORTE.COM - Como é trabalhar em um país com a cultura tão diferente da do Brasil e de onde vem a necessidade de se buscar uma nova vida em lugares tão distantes?

Luis Antônio Zaluar - Eu estou aqui desde 1987, entre diversas idas ao Brasil, então eu já estou bem adaptado. Lembro que há 22 anos, os campos não eram nem de grama ainda, eram de terra. Não tinha comunicação em geral, o que deixava a vida muito difícil, mas agora o mundo árabe já está mais maleável para se viver. A internet aproximou a gente do Brasil, da família, temos mais divertimentos. Mas realmente é conviver com um mundo totalmente diferente. O Brasil, infelizmente, vive uma crise constante. Então temos que vir para cá para capitalizar. A gente abre mão da vida particular para ter o reconhecimento financeiro que gostaríamos no Brasil.

Você consegue se comunicar em árabe fluentemente. Como foi o seu aprendizado da língua e como o povo corresponde a isso? 

 

Zaluar ao lado de um representante do Al Raed

- Eu cheguei aqui falando só inglês, agora falo árabe fluente. Mas isso foi fruto não de ter estudado, foi necessidade. Com o aprendizado, eu agora dou até preleção em árabe. Aqui eu sou reconhecido como um brasileiro, o que é uma grande responsabilidade. Carregamos cinco estrelas no peito e chegar aqui falando a língua deles é um prestígio muito bacana. Eles veem de forma muito positiva, fazem elogios, ficam surpresos. Mas já passei certa dificuldade, quando cheguei a morar mais de 11 meses em uma cidade sem falar português com ninguém.

 A ida de outros brasileiros para o país, facilita a convivência? Como você vê esse grande fluxo dos nossos jogadores para o Oriente Médio?

- Esse intercâmbio, essa troca de experiências é salutar, porque enriquece o futebol do Oriente Médio. Aqui, a escola brasileira sempre vai ter espaço. A característica dos árabes é muito parecida com a dos brasileiros. Ele são habilidosos, começam a jogar desde cedo na rua. Agora chegou o segundo brasileiro no Al Raed, o Felipe Campos, que foi do Flamengo e isso facilita a adaptação. Mas infelizmente o jogador brasileiro se queimou muito. Vem muita gente despreparada e o árabe não é mais bobo.

Você vê paixão do árabe pelo futebol, ou promover o esporte nessa região é apenas uma vontade dos Xeques?

- Tem paixão. Apesar de alguns jogadores serem apenas semi-profissionais, a maioria ou estuda ou tem algum trabalho além do futebol, poucos países do mundo árabe veem o futebol com tanta paixão como a Arábia Saudita. O país já participou de quatro Copas, então eles são muito fanáticos. Nossa média de publico é de mil pessoas no coletivo. No último confronto entre times de médio porte tivemos quase 10 mil presentes.

Você pensa em voltar a trabalhar no Brasil?

- Como eu disse anteriormente, no Brasil a gente não tem a oportunidade que merece. Mesmo assim, penso muito em voltar a trabalhar perto da minha família. O mundo árabe te esconde do resto. Muita gente pensa que só porque se está aqui, se tem menos trabalho e é exatamente o contrário, porque temos que ensinar muito mais. Eu tenho contrato até o final de abril. Nosso último jogo é em 12 de abril, mas se a gente se fixar entre os oito primeiros, jogamos a Copa do Rei. Mas eu não quero prolongar muito minha vida aqui.

Em agosto de 2007, você deu uma entrevista para o GLOBOESPORTE.COM falando sobre a temperatura, que no verão é muito quente e no inverno muito frio. Você já se acostumou a esse problema?


- Já estou acostumado, mas agora está muito frio. No último jogo deu menos cinco graus. A cidade de Buraydah é bem no interior, então no deserto é muito quente ou muito frio. Vamos para os treinos parecendo uns bonecos. Alguns jogadores colocam até plástico dentro da chuteira se não o pé fica dormente na hora de chutar. Mas daqui a dois meses já vamos estar com uns 45, 50 graus.

Fonte: GLOBOESPORTE.COM 22/01/2009

 

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