Encontro de Daisaku Ikeda presidente da SGI (ONG budista) com o Presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo

quarta-feira, 11 de março de 2009

Presidente Olusegun Obasanjo da República Federal da Nigeria — levando o povo ao poder


O presidente Ikeda encontrou-se com Obasanjo em 22 de maio deste ano.

Papai, não seja chefe de Estado," implorou sua filha de nove anos, Iyabo.

Tornar-se o líder da nação era o que sua família mais temia, motivo pelo qual eles não ousavam falar muito no assunto.

Fez-se um silêncio total na sala. Todos sentados aguardavam ansiosamente o que o chefe da família, Olusegun Obasanjo, responderia.

Era fevereiro de 1976, e nessa época tornar-se o líder da Nigéria significava colocar a própria vida em risco. O chefe de Estado anterior, general Murtala Ramat Muhammed, havia sido assassinado, e sua morte fora causada justamente por ele ter tentado conduzir a nação do regime militar ao civil. O general Obasanjo era o segundo no comando. Havia uma probabilidade muito grande de que o próximo líder no governo teria o mesmo destino de seu predecessor.

"Você tem minha palavra, Iyabo", disse ele, finalmente. "Amanhã, renunciarei ao final da reunião do Conselho Supremo Militar e nos mudaremos para Abeokuta e viveremos uma vida tranqüila."

Essa havia sido sua decisão, e já havia iniciado os preparativos para a viagem. Mas ele não sabia o que os dias seguintes lhe reservavam.

Obasanjo abraçou cada um de seus cinco filhos. Era seu presente de despedida para eles, caso algo terrível lhe acontecesse. Obasanjo estava com 38 anos. Sua decisão de abrir mão da posição de chefe de Estado não havia sido tomada por temer por sua vida, mas porque estava profundamente descontente com a situação de seu país. "A Nigéria não é mais um país pelo qual valha a pena servir tendo em vista a maneira tão cruel como o general Muhammed foi recompensado pelos seus abnegados esforços à nação," insistiu ele aos membros do Conselho.

Quando ainda estavam sob o regime colonial, muitas nações africanas consideravam "independência" como uma espécie de palavra mágica. "Com a independência, os séculos de sofrimento e luta chegarão ao fim"; "Se conquistarmos a independência, tudo ficará bem", pensavam. Mas isso era apenas uma ilusão que não tardariam a perceber.

Mesmo após a independência, eles continuaram sendo dominados, embora de forma diferente, pelas nações estrangeiras. Uma pequena classe privilegiada aliou-se aos exploradores e com isso encheu seu próprio bolso.

Grupos de reformistas aplicavam um golpe de Estado após outro, mas cada novo governo acabava manchado pela mesma corrupção. Isso ocorria em toda a África. As duas potências que sustentavam a Guerra Fria valiam-se das violentas guerras civis para vender armas para todas as facções.

Após conquistar a independência da Grã-Bretanha em 1960, a Nigéria caiu vítima da terrível tragédia da guerra civil e a felicidade de seu povo parecia algo cada vez mais distante.

Naquela reunião do Conselho, foi ressaltado ao general Obasanjo que se ele não aceitasse o cargo de chefe de Estado, o poder cairia nas mãos dos rebeldes.

Ele não tinha mais nenhuma escolha. "Talvez seja meu destino", pensou, "Ou então, meu dever".

Quando sua pequena filha soube que o pai não pôde manter sua promessa, ela chorou inconsolavelmente.

Encontrei-me com Obasanjo pela primeira vez dezesseis anos depois desse episódio, na primavera de 1992. Ele estava acompanhado do embaixador da Nigéria no Japão, Mai-Bukar Garba Dogon-Yaro.

Obasanjo viajara ao Japão como representante da África para uma conferência sobre meio ambiente que se realizaria em Tóquio. Obasanjo atuou como chefe de Estado por três anos, de 1976 a 1979. Como havia prometido, acabou com o governo militar e introduziu uma constituição democrática que assegurava a soberania do povo e os direitos humanos fundamentais, estabelecendo um sistema presidencial de governo. Ele foi o primeiro líder nigeriano que deixou seu cargo para dar lugar à democracia.

Nessa primeira visita ao Japão, Obasanjo participou de uma reunião de dirigentes da Divisão Feminina e proferiu um discurso afirmando seu apoio ao nosso movimento cultural. "A cultura", disse ele, "é a força motriz em nossa vida. Sem cultura, não temos raízes". Seu discurso foi transmitido via satélite para todo o Japão.

Ele identificou o espírito budista com a rejeição ao servilismo e à opressão, e declarou ainda que o budismo possuía a força para elevar a espiritualidade da humanidade. Obasanjo demonstrou ser um líder digno, possuidor de uma mente aguçada e perspicaz e de um sorriso caloroso.

"Um líder deve ter raciocínio claro e objetivos próprios, caso contrário será manipulado pelos outros e acabará perdendo o rumo", disse ele.

O objetivo pessoal de Obasanjo era a educação. Durante seu mandato, tornou gratuita a educação nas escolas de ensino fundamental e construiu muitas universidades, com o desejo de que todos os jovens nigerianos tivessem acesso à educação.

Recepcionamos Obasanjo novamente naquele mesmo ano, em outubro de 1992, dessa vez na Universidade Soka, onde um grupo de estudantes da Associação para a Amizade Pan-Africana apresentou um coral em sua homenagem. Eles entoaram a canção nigeriana "Abeokuta", que é o nome do povoado em que Obasanjo cresceu.



Essa colina, essa terra —

É onde você nasceu,

Uma terra de riquezas e paz.

Sou feliz, aqui nos penhascos de Olumo.

Jamais te esquecerei,

Sempre o terei em meu coração.



"Abeokuta" significa "sob as rochas". Essa canção alude à lenda dos penhascos Olumo, que salvaram muitas pessoas que fugiam do massacre da guerra e iam se enconder entre suas rochas.

Os verdadeiros líderes devem ser como rochas que protegem as pessoas. Em nossa conversa, Obasanjo e eu concordamos quanto à veracidade do ditado nigeriano: "O telhado luta contra a chuva, mas os que se refugiam sob o telhado não têm consciência de que estão sendo protegidos."

Obasanjo nasceu em 1937 numa pequena vila próxima a Abeokuta, como filho de um próspero fazendeiro. Contudo, aos treze anos, a situação financeira da família mudou drasticamente. Com esse empobrecimento inesperado, ele teve de estudar sob circunstâncias cada vez mais difíceis.

O jovem Obasanjo ia aos bosques nas redondezas para apanhar lenha, ou então ia até as margens do rio para apanhar areia e vendia tudo o que conseguia para as companhias de construção. Ele também trabalhou para outros fazendeiros. Frente a essas dificuldades, toda vez que se sentia desencorajado, lembrava-se do lema de sua escola "Ajude a si mesmo", e então empenhava-se mais arduamente. Ele custeou seus estudos de ensino médio realizando todo tipo de trabalho.

A escola localizava-se em Abeokuta, e ocasionalmente sua mãe viajava de sua pequena vila para levar-lhe a pouca comida que conseguia reservar.

Obasanjo obteve excelentes notas e pretendia ser professor, mas continuava pobre como sempre. Uma das principais razões pelas quais decidiu ingressar na carreira militar foi que ali poderia continuar estudando gratuitamente. Não era o curso adequado para uma pessoa cujos colegas de classe consideravam o que menos afinidade tinha com a vida militar.

Então, Obasanjo viajou para a Inglaterra a fim de estudar na Academia Real Britânica de Engenharia Militar, onde recebeu uma menção honrosa por se destacar como melhor estudante da Comunidade Britânica em toda a história da instituição.

Quando ele ingressou nas forças armadas, não se atreveu a dizer para sua mãe que havia escolhido uma das profissões mais perigosas, pois sabia que ela desmaiaria de susto.

Será que os heróis estão fadados às tragédias e os honestos, à traição? O caminho da democracia iniciado por Obasanjo foi bloqueado por um golpe de Estado, e o governo militar foi restaurado. Uma vez mais, a nação foi assolada pela corrupção e os bens públicos usurpados. Em meados da década de 80, o padrão de vida da Nigéria esteve abaixo dos índices apresentados na década de 50, ou seja, antes da independência.

A Nigéria tinha uma população de quase 120 milhões de habitantes, a maior da África. Um de cada cinco habitantes da Região da África Subsaariana é nigeriano, posicionando a Nigéria entre as principais nações do continente. Desde tempos antigos, foi berço de culturas altamente desenvolvidas, como as de Nok e Ife, que remontam a dois mil anos. Sua música e arte também tiveram uma grande influência na Europa moderna.

A Nigéria é rica em petróleo. É uma bela terra e seu povo é maravilhoso. Mesmo assim, por que havia tanto sofrimento e pobreza? Devido à corrupção. "A corrupção é uma ameaça maior do que a Aids ao desenvolvimento africano," declara Obasanjo, que continuou a promover a democracia mesmo após ter se retirado da política. Ele vive fiel à sua crença de uma vida a serviço da humanidade.

Obasanjo lançou a Nigéria no palco mundial. Ele criou o Fórum e a Fundação de Líderes Africanos, trabalhou para a Unesco e mediou incansavelmente as negociações de paz entre Angola e Namíbia. Obasanjo chegou a ser indicado como candidato a secretário-geral das Nações Unidas.

Em 1986, como co-presidente do Grupo de Pessoas Eminentes da Comunidade Britânica de Nações Sul-Africanas, ele viajou para a África do Sul e visitou Nelson Mandela na prisão. O ato de Obasanjo, de entrar numa praia "exclusiva para brancos", como protesto contra a política do apartheid durante essa visita, foi muito comentado. Ele fez isso para mostrar ao mundo o absurdo do apartheid. Posteriormente, Mandela louvou Obasanjo como "um amigo especial cuja grandeza está acima de muitos que hoje ocupam altos cargos".

O líder nigeriano possui muitos amigos em todo o mundo e luta continuamente para evitar que a Nigéria não se isole da comunidade internacional.

Mas como os líderes políticos de seu país retribuíram seus esforços? Com a prisão.

Em 1995, o governo prendeu esse homem que continuamente defendeu a democracia. Ele foi sentenciado à morte. Vigorosos clamores do mundo inteiro fizeram com que a sentença fosse reduzida para quinze anos, e ele foi confinado à Prisão de Yola, que também era conhecida como "o inferno sobre a Terra".

Obasanjo permaneceu preso por mais de três anos. Por fim, com a morte do ditador que oprimia seu país, ele foi libertado. Mas o que ele encontrou ao sair da prisão foi uma nação dividida e praticamente destruída por líderes corruptos e gananciosos.

Obasanjo decidiu levantar-se uma vez mais, em prol de sua amada Nigéria. Seu lema na campanha presidencial era "O povo no poder". E, em fevereiro de 1999, foi eleito presidente.

Ele seria o valente líder que conduziria sua pátria rumo ao século XXI. Quando visitou o Japão dois meses após ser eleito, eu o recepcionei com profunda emoção. Ele abriu bem seus braços feliz pelo reencontro.

Louvei-o por sua inabalável convicção. Embora fisicamente debilitado devido ao tempo que passou na prisão, seu espírito jamais se abalou ou rendeu-se ao desespero. Obasanjo tinha uma forte fé e sabia que um dia seria libertado. Ele jamais abandonou sua luta de servir à humanidade. Um amigo lhe escreveu enquanto estava na prisão: "Você parece ter algo que nós, aqui fora da prisão, não temos." Cada palavra de Obasanjo está imbuída de forte fé e comprometimento com a vida.

O que é democracia?

Há líderes que não abandonam suas convicções políticas, mesmo que tenham de ser aprisionados em defesa delas. Mas há também líderes que só se preocupam com ganhos imediatos e mudam suas crenças com a mesma facilidade com que trocam de roupa. Em sua busca do poder, não têm remorsos manipular a verdade e a justiça, e tampouco possuem escrúpulos na hora de usar as pessoas. Como esses líderes ousam falar em democracia?

Se não fosse pelas pessoas dispostas a arriscar a vida por suas crenças, a democracia se transformaria em algo inerte. Por mais perfeitos que sejam os sistemas políticos ou as constituições, se não houver um espírito democrático, não passarão de meras formalidades ou práticas vazias. Um corpo sem alento é um corpo morto.

Obasanjo disse que quer infundir autoconfiança ao povo de seu país. Quer restaurar em cada nigeriano a fé em si mesmo, em seu governo e em seu país. O fervor com que ele pronunciou essas palavras me comoveu quase às lágrimas. Os japoneses podem aprender muito com a humildade de Obasanjo e com seu amor pelas pessoas.

É muito mais nobre incutir esperança no coração de uma pessoa, mirar sempre o futuro, não importando as humilhações que tenha de sofrer, do que deixar que um breve período de prosperidade lhe suba à cabeça e o convença de que a luta espiritual é irrelevante.

Os japoneses têm a tendência deplorável de desprezar o que chamam "terceiro mundo". Mas julgar uma nação unicamente pela sua riqueza nada mais é do que uma evidência da própria falta de civilização e de cultura. Hoje, o Japão paga um alto preço por ter tratado com tanta hipocrisia a importância do espírito.

Desde os tempos antigos, as culturas africanas possuem um profundo respeito e admiração pela maravilhosa força vital que permeia a natureza, a sociedade e tudo o que existe no universo. A cultura materialista de hoje chegou a um beco sem saída e a África detém a chave para uma transformação que conduzirá a uma cultura de vida.

O futuro, um glorioso futuro, aguarda pela África.

Obasanjo e eu conversamos a respeito do futuro. Falei-lhe de minhas esperanças quanto a criação de um Estados Unidos da África; e o novo presidente nigeriano compartilhou suas esperanças com relação aos intercâmbios educacionais. Há um provérbio nigeriano que diz: "A esperança é o pilar que sustenta o mundo."

Presenteei Obasanjo com um poema de minha autoria intitulado "O Sol Nascente da África — Um Tributo à Democracia".O poema inicia assim:



O Sol jamais se apaga!

— "Nada pode me obscurecer,

Por mais profunda que seja

a escuridão."



O Sol jamais retrocede!

— "O caminho de minha missão é imutável,

Por mais furiosas que sejam

as tormentas!"



O Sol jamais descansa!

— "Brilharei enquanto houver pessoas que busquem minha luz, Por mais pesadas que sejam as nuvens da exaustão!"



O poema é também um tributo à África, o "grande continente do Sol", e um tributo à Nigéria, uma nação desenvolvida em meio à luta pelos direitos humanos e que soube romper a escuridão, lançando a luz da esperança a iluminar o mundo inteiro.

Publicado no Seikyo Shimbun de 13 de maio de 2000.
E na Revista Terceira Civilização da Editora Brasil Seikyo em 2001
SETEMBRO DE 2001 — EDIÇÃO Nº 397
 
NOTA:
 
Quando mostrei a materia para o Ola, meu namorado Nigeriano, ele não chegou a ler, mas a reação ao ver a foto do presidente não foi boa, ele não concorda que o cara seja um bom presidente e que se preocupa com o povo.

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