A dança ambulante de Qudus Onikeku

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Praças circulares, gramados em desnível, ruelas estreitas e becos sem saída. Lançados ao acaso e à tensão vivificadora das ruas, dois dançarinos e um grupo de artistas performáticos dão início aos primeiros movimentos de uma cena coreográfica solta, improvisada, atraente e livre de academicismos. Em poucos minutos, pedestres, garis, carroceiros, mendigos e trabalhadores - potenciais espectadores - cessam o seu próprio movimento e aglomeram-se curiosos em torno do mais novo espaço criado para a dança. A cena urbana faz parte do documentário Precisamos de  Cola-Cola para dançar? Do We Need Cola-Cola to Dance?, realizado em julho de 2007 em países africanos pelo YK Projects, um coletivo de artistas da nova geração nigeriana, residindo ou estudando na França. 

À frente dele está o nigeriano Qudus Onikeku, ganhador do prêmio de Bailarino do Ano pela Future Awards 2009 (Nigéria), que aos 17 anos partiu para a França, onde se graduou na Escola Superior Nacional de Artes Circenses, tendo se formado como bailarino e acrobata com bolsa integral do governo francês. Simultaneamente à sua graduação, ele foi artista residente da Gongbeat Artes, em Lagos, onde nasceu. Seis anos mais tarde, no processo de retorno à sua própria cultura africana, deparou-se com dificuldades e questões envolvendo o papel da arte e da dança no contexto atual. O que é um artista? Quem é e onde está o seu público? Qual é a nossa postura diante da discussão global? Por que estudamos no exterior se o nosso público está na África? Como utilizar o conhecimento acumulado na volta à nossa terra natal? Quando vamos deixar de depender do ocidente para garantir a sobrevivência dos nossos talentos?

Dono de uma linguagem corporal formada por elementos da capoeira, do circo e da dança de rua de Lagos, Qudus levou a dança contemporânea livre de estereótipos para espaços não-convencionais, locais onde a crescente rede de arte dificilmente chega, contribuindo para a formação de iniciativas locais. Acompanhados de um videoartista, de um fotógrafo e de um técnico de som, o coletivo, que contou com o apoio da Fundação Príncipe Claus, da Holanda, realizou intervenções em espaços públicos da Nigéria, Egito, África do Sul, Moçambique, Kenya e Camarões. As performances foram feitas de forma improvisada e não oficial, com pouca ou sem nenhuma divulgação, numa espécie de retomada aos antigos teatros ambulantes.

Qudus Onikeku / Foto: Deborah Rocha e Rodrigo Moraes

Qudus Onikeku / Foto: Deborah Rocha e Rodrigo Moraes

O documentário, que já foi projetado em Lagos, Massachusetts, Kinshasa, Chicago e participou do festival online 24hours24Artist, no Texas,  foi exibido pela primeira vez no Brasil no Espaço Matilha, em São Paulo, no dia 8 de junho. Após a exibição, Qudus participou de um bate-papo com o público, que incluiu integrantes do CNAC (Centre Nacional des Arts du Cirque), representantes da cultura hip hop e músicos como Simone Sou, com quem Qudus fez uma intervenção no centro da cidade no dia 13 de junho. A parceria com a "percuterista", que já trabalhou com Itamar Assumpção, Chico César, Zeca Balero, Zélia Duncan e mais recentemente com Os Mutantes, resultou em duas performances. Uma em frente à Galeria do Rock, próximo ao Largo Paissandu, e outra no Viaduto do Chá, entre as 12h e 16h de sábado, horário de intenso movimento na região. Os dois artistas se conheceram durante o lançamento no documentário em São Paulo e fizeram um breve reconhecimento mútuo em um segundo encontro antes da apresentação. O público parou para ver a performance e alguns chegaram a interagir com Qudus no centro da roda que se formou.

Após a experiência paulistana, o nigeriano segue para Belo Horizonte, Bogotá, Buenos Aires. Em julho estará em Nova York, onde fará performances com artistas locais e exibirá o documentário. Seu projeto é de continuar viajando com esse tipo de trabalho e explorar o engajamento dos artistas africanos na discussão e desenvolvimento do mercado de arte na África, de uma forma não submissa aos moldes europeus ou norte-americanos, mas engajado com o entendimento dos próprios valores. Seu trabalho deu origem ao Ewa Bamijo, encontro bianual de dança e artes performáticas que acontece esse ano em Lagos, na Nigéria, de 27 a 31 de outubro.

"Este projeto é primeiramente uma solução imaginada para uma questão altamente pessoal, que incomodava minha alma enquanto um jovem criador africano e quebra as barreiras entre o artista e seu público e vice-versa", diz Qudus. "Acredito que existe uma conexão poderosa entre artistas e ativistas de direitos humanos. Os dois se levantam contra o status quo para dizer o que deve ser dito em nome da humanidade", afirma. Vale a pena acompanhar o trajeto deste jovem artista e a continuidade de suas ações no crescente espaço dedicado à performance urbana em países como África e Brasil.

Abaixo, assista a um vídeo produzido exclusivamente para o idança. Ele traz uma entrevista com Qudus e trechos das performances feitas por ele e Simone Sou nos espaços públicos de São Paulo.

http://idanca.net/lang/pt-br/2009/06/25/a-danca-ambulante-de-qudus-onikeku-the-itinerant-dance-of-qudus-onikeku/11185/

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