John Tofik Karam, neto de libaneses nascido nos Estados Unidos, deve lançar até o final do ano, no Brasil, o livro 'Um outro arabesco'.

terça-feira, 1 de abril de 2008

São Paulo – O norte-americano de origem libanesa John Tofik Karam vai lançar no Brasil o livro "Um outro arabesco" pela Martins Editora. A obra é resultado da tese de doutorado que Karam fez a respeito da comunidade árabe no Brasil e mostra a valorização ocorrida com os árabes no país no final do século 20.

"Mostra a maior visibilidade que o árabe ganhou na época neoliberal", explicou Karam em entrevista por telefone à ANBA. De acordo com o descendente de libaneses, até metade do século 20 o árabe era marginalizado em função do estereótipo de bom negociante, que sempre queria ter mais ganhos no comércio. "De repente esta idéia virou vantagem na época neoliberal", diz.

A tese de Karam já foi publicada como livro nos Estados Unidos no ano passado. Ela foi defendida na conclusão do doutorado do escritor, em Antropologia Cultural, na Syracuse University, em 2004. No Brasil, o norte-americano acredita que o livro será lançado até o final do ano. A obra acaba de ser traduzida para o português por Denise Bottman e deve entrar em fase de revisão.

Karam ficou três anos estudando dentro da própria universidade, entre 1997 e 2000, e depois partiu para a pesquisa de campo. Ficou no Brasil de setembro de 2000 até o final de 2001, com uma bolsa do Departamento de Educação dos Estados Unidos. No país, entrevistou cerca de cem pessoas da comunidade árabe.

"Falei com comerciantes, donas de casa, profissionais liberais como médicos, advogados e até dançarinas do ventre", afirma Karam. Ele também participou, na época, de uma viagem feita por descendentes de libaneses do Brasil ao Líbano patrocinada pelo Ministério de Imigração do país árabe.

Karam conta que também ia, na época, aos eventos, como seminários, promovidos pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira sobre comércio do Brasil com os árabes. Ali ele entrava em contato com empresários brasileiros que queriam negociar com os países árabes e se inteirava de suas opiniões. "O Dr. Michel ensinava a negociar com os árabes", conta Karam, referindo-se ao secretário-geral da Câmara Árabe, Michel Alaby.

Brasil de Karam

Apesar de Karam ser do interior de Nova York, de uma cidade chamada Utica, a sua avó materna é brasileira. Ela nasceu onde hoje fica o estado de Rondônia e morou no local até os dez anos de idade. "Depois foi mandada de volta para o Líbano (na época Grande Síria). Chegou no porto, em Beirute, sem falar árabe", conta o norte-americano. Aos 15 anos, ela conheceu o avô de Karam, casou-se e os dois se mudaram para os Estados Unidos.

A história de Karam com o Brasil continuou quando ele resolveu, aos 17 anos, fazer um intercâmbio pelo Rotary. A intenção do então adolescente era ir para a Europa, mas foi mandado para o Brasil. Desde então Karam voltou ao país inúmeras vezes. Desde os 17 anos, somando todas as vezes que esteve no Brasil, o antropólogo calcula que tenha ficado uns seis anos.

Essa ligação tão estreita fez com que ele quisesse se dedicar ao estudo da comunidade árabe no Brasil no seu doutorado. "Estou felicíssimo pela publicação do livro no Brasil. Vai pelo menos adicionar mais uma voz ao diálogo que já está acontecendo sobre economia global", afirma Karam. O neto de libaneses afirma que o nacionalismo brasileiro abriu espaço para o árabe se identificar como tal, enquanto que nos Estados Unidos isso nunca ocorreu.

Karam é atualmente professor assistente no Programa de Estudos Latino-Americanos e Latinos na DePaul University, em Chicago. Ele já atuou também em outras instituições de ensino dos Estados Unidos. A sua graduação e pós-graduação também foram feitas na área de Antropologia.

Leia a seguir alguns trechos do livro de Karam:

  • Sigo até o Club Homs, na avenida principal [Paulista]. Conhecido como 'a casa dos árabes', ele faz parte da meia-dúzia de clubes para os descendentes dos imigrantes do Oriente Médio que existem na região. Essa noite, o clube está dando uma festa chique em comemoração ao Dia Nacional da Síria. Atravesso o portão de entrada e vou me juntar a um grupo de brasileiros, na maioria de origem árabe. Entre os empresários importantes ali presentes, está um sírio-libanês de terceira geração que foi elogiado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso [Paulo Atallah], por treinar executivos brasileiros no setor de exportações para o mundo árabe. Ele é o presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, que fica logo do outro lado da avenida. Há também dezenas de dignitários estrangeiros e políticos nacionais, como uma vereadora libanesa de segunda geração que organiza a comemoração anual do dia da independência libanesa na Câmara Municipal.

 

  • Meu livro mostra que, em época anterior, a etnicidade árabe era basicamente desvalorizada, mas conquistou maior reconhecimento no presente. Na primeira metade do século XX, por exemplo, as elites luso-brasileiras tratavam os descendentes dos imigrantes do Oriente Médio de modo depreciativo, como comerciantes naturalmente espertos que acumulavam imensas riquezas, mas não produziam nada para a nação (Campos 1987; Karam 2004; Lesser 1999). Hoje, porém, a idéia corrente de uma astúcia comercial inata dos árabes é elogiada pelos exportadores brasileiros no mercado "livre".

 

  • Comecei a aprender o que é ser árabe no Brasil quando fui fazer uma pesquisa preliminar em São Paulo, em junho de 1999. Lembro que, dois dias depois de chegar, eu estava no prédio de um amigo no centro da cidade e liguei para alguns contatos. Uma pessoa aceitou marcar um encontro: o editor-chefe de Chams, uma revista da colônia árabe. Naquela primeira semana, ele expôs suas idéias sobre a "colônia", citou os eventos que iam acontecer nos clubes e fez a ponte para eu conversar com executivos e empresários. Foi com essas reflexões, reuniões e indicações que fui formalmente apresentado à experiência árabe no Brasil. Naqueles dias e nos meses seguintes, algumas vezes fui tomado por jornalista, e me senti como tal, entrevistando ou batendo papo com profissionais liberais e cobrindo suas festas e reuniões. Com um bloco de notas enfiado no bolso, mais de uma vez me vi ao lado de outros jornalistas – étnicos e nacionais – anotando trechos de longos discursos e participando de conversas interessantes.

Contato

John Tofik Karam
E-mail: jkaram2@depaul.edu

http://www.anba.com.br/orientese.php?id=106

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