Dias de sonho na Tunísia

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Fim de outubro de 2006. Túnis e suas casas brancas de telhados azuis começavam a se revelar para meus olhos ansiosos, grudados no vidro embaçado da janelinha do avião. A Tunísia havia entrado em meu roteiro de férias em cima da hora. Um amor platônico, desses que a gente alimenta até por osmose, certo dia me escreveu dizendo que deixava a Colômbia, onde esteve por três anos, para viver no país africano, a fim de ensinar inglês aos nativos e, com eles, aprender o árabe. Coloriu o e-mail com a frase: "se quiser me visitar, será bem-vinda". Coração acelerado, passagens aéreas já compradas nas mãos. E agora? Negociei mais uma semana de folga com o chefe, mudei a data de retorno e incluí uma nova conexão no aeroporto Charles de Gaulle. Dan, estou chegando.


Comemos pistaches na varanda de seu pequeno apartamento modestamente decorado, a uma quadra da avenida principal de Túnis, enquanto falávamos de sonhos e de realidades. Depois, um pouco antes do pôr-do-sol, caminhamos pela larga rua de cafés e palmeiras, respirando o ar démodé da capital tunisiana. No cinema principal, a atração da semana era o filme "A Lenda do Zorro", datado de anos atrás. Árabe e francês podiam ser ouvidos nas calçadas. Vez ou outra, aparecia um garoto com camisa da seleção brasileira. "Ei, também vi gente com o uniforme da equipe canadense", Dan apressava-se em dizer. Numa ponta da avenida, uma igreja católica fechada. Na outra, a passagem que levava à Medina. Mesquitas.
Olhávamos o mundaréu de gente, alguns turistas franceses. Embora a maioria da população tunisiana seja muçulmana, as mulheres não se cobrem totalmente; são discretas, porém charmosas e elegantes. Algumas levam belos lenços na cabeça, escondendo o cabelo. Após um café, pegamos um táxi, sempre muito barato, para irmos à região de La Goulette, praia e maioria de casinhas brancas, comer um peixe e escutarmos o mar. Felizes, os dois.

Fizemos muitas coisas juntos, eu e o Dan. Visitamos as ruínas de Cartago, passeamos pela Medina e nos perdemos nas ruas onde estão os edifícios ministeriais. Ficávamos admirados diante das belas portas de Túnis, uma mais linda que a outra. E extasiados com os maravilhosos mosaicos do Museu do Bardo. Partilhamos a fartura do fim do Ramadã com a família de um dos alunos dele.

Certo dia, porém, Dan – que pediu folga para estar comigo – precisou passar a tarde na escola. Sozinha, resolvi passear pela região central da cidade. Estava de vestido de malha, um palmo abaixo dos joelhos e manga curta, decote discretíssimo. Sandálias. Havia outras mulheres na rua, mas as atenções eram todas para mim. "Salut, ça va?", era o que eu mais escutava. De vez em quando, alguém arriscava: "May I invite you for a tea?" Quando eu cruzava com um grupo de rapazes, era pior ainda. Falavam algo em árabe, olhavam curiosos e interessados, sorriam.

No início, eu me sentia a verdadeira popstar. Porém, quando deu oito da noite, as mulheres estranhamente sumiram das ruas. Algumas permaneceram nos cafés, ao lado de alguma companhia masculina. Eu era cada vez mais assediada. Não agüentei: voltei correndo para o apartamento do Dan e lá fiquei, observando a vida desde a varanda, até ele chegar. Na Roma, como os romanos. Na Tunísia, como as tunisianas!
Hoje me resta uma lembrança azul-e-branca de Túnis, com gosto de pistache, e dos momentos partilhados com o Dan. E, nos dias em que a auto-estima está lá embaixo, até cogito tomar o primeiro avião da Air France para lá, só para caminhar na avenida apinhada de cafés com meu vestido de malha, minhas sandálias e meu sorriso... de popstar!

Mafê Vomero é jornalista e viaja sozinha, mochila nas costas e caderninho nas mãos. Já visitou 20 países. Lugares preferidos do mundo? Segundo o humor de hoje: Istambul, Fernando de Noronha, Oaxaca, Paris, Deserto do Atacama, Petra e o aqui-e-agora. Esta é a estréia de Mafê no Saia Pelo Mundo. Semana que vem, tem mais.

 

Saia pelo mundo - 27/03/2008

0 comentários: