Banda saudita feminina responde a tabus com rock

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Elas não podem se apresentar em público. Não podem posar para a capa do álbum. Até suas jam sessions são secretas, por medo de ofender as autoridades religiosas deste reino ultra-conservador. Mas as integrantes da primeira banda da Arábia Saudita formada exclusivamente por mulheres, a Accolade, obviamente não têm medo de tabus.

 

O primeiro single do grupo, Pinocchio, se tornou um sucesso underground por aqui, com centenas de jovens sauditas baixando a canção do site da banda. Agora, o jovem quarteto pioneiro, todas estudantes universitárias, quer começar a tocar em apresentações regulares - em ambientes reservados, é claro - e gravar um álbum.

 

"Neste país, sim, é um desafio," disse a líder de cabelo espetado, a vocalista Lamia, que usa piercings na sobrancelha esquerda e sob o lábio inferior. (Como as outras integrantes da banda, ela deu apenas seu primeiro nome.) "Talvez sejamos loucas. Mas queríamos fazer algo diferente."

 

Em um país em que mulheres não podem dirigir e raramente aparecem em público com o rosto descoberto, a banda realmente é bem diferente. A possibilidade de roqueiras empunhando guitarras e berrando letras raivosas sobre um relacionamento fracassado - o tema de Pinocchio - já foi algo inimaginável por aqui.

 

Hoje existe uma crescente cena de rock com dezenas de bandas, algumas até mesmo vendendo ingressos para suas apresentações. O hip hop também faz sucesso. A polícia religiosa - mais especificamente, o Comitê para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício - quase desapareceu das ruas de Jedá e está menos agressivo no coração desértico do reino.

"A nova geração é diferente da anterior," disse Dina, a guitarrista e fundadora de 21 anos do Accolade. "Tudo está mudando. Talvez em 10 anos uma banda tocar ao vivo não será um problema."

 

Dina disse que começou a sonhar em formar uma banda a três anos atrás. Em setembro, ela e sua irmã Dareen, 19, que toca baixo, se uniram a Lamia e Amjad, a tecladista.

 

Elas já eram iconoclastas: Dina e Dareen, as duas extremamente atraentes, usam o cabelo para trás com grossas mechas e piercing nas sobrancelhas. Durante uma entrevista com a banda em um Starbucks local, elas usavam túnicas negras - o esvoaçante traje costumeiro para as mulheres - mas abertas, mostrando seus jeans e camisetas e com seus rostos e cabelos descobertos.

 

A banda se reúne para ensaios todo final de semana na casa das irmãs, onde seu irmão mais novo às vezes participa na bateria. No início de novembro, Dina, que estuda arte na Universidade Rei Abdulaziz, começou a escrever uma música baseada em uma de suas pinturas favoritas, The Accolade (A Honraria), do pintor inglês pré-rafaelita Edmund Blair Leighton. O quadro mostra uma nobre de cabelos compridos e uma espada nomeando um jovem guerreiro a cavaleiro.

Ela pensou em escrever uma música baseada na obra A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, mas decidiu que seria levar a controvérsia longe demais. (Na Arábia Saudita, igrejas são proibidas e muçulmanos convertidos ao cristianismo podem ser executados.)

 

Dina pegou seu celular para mostrar um vídeo da banda ensaiando em casa. Era como qualquer outra banda de garagem do mundo, com as irmãs arqueadas sobre seus instrumentos, seu irmão detonando a bateria e Lamia agarrada ao microfone.

"Estamos procurando uma baterista," disse Lamia. "Cinco caras já apareceram, mas queremos mesmo uma banda só de mulheres."

Embora saibam que o que fazem é algo extraordinário, em pessoa, elas parecem mais brincalhonas do que provocadoras. Diferente dos jovens sauditas abastados que já moraram fora e experimentaram o estilo de vida ocidental, elas são de classe média e nunca saíram do país.

 

"O que fazemos não é algo errado, é arte, e fazemos seguindo um bom caminho," disse Dina. "Respeitamos nossas tradições."

As primeiras bandas de rock apareceram há cerca de 20 anos, de acordo com Hassan Hatrash, 34, jornalista e baixista pioneiro, e seu número cresceu gradualmente. Foi quando, em 1995, a polícia invadiu um show no porão de um restaurante em Jedá, prendendo cerca de 300 jovens, inclusive Hatrash. Eles foram soltos alguns dias mais tarde sem acusações. (Não existe uma lei que realmente proíba o rock ou apresentações públicas.) "Depois disso, a cena meio que morreu," disse. Com o crescimento recente da cena saudita de rock, Dina reuniu coragem para começar sua própria banda. Os planos da Accolade se desenvolveram bem lentamente, disse, com "encontros só de meninas" no início. Os pais dos membros da banda apóiam a iniciativa, embora peçam que mantenham as coisas em silêncio.

 

Com o tempo, disse Dina, elas esperam tocar em shows de verdade, talvez em Dubai, Estados Árabes Unidos.

"É importante eles verem o que somos capazes de fazer," disse ela.

 

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
 
Fonte: Terra

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