Fronteiras Braskem do Pensamento trouxe ontem a Salvador a mulher que desafiou o Islã

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ayaan Hirsi Ali

 

Política holandesa, nascida na Somália, conhecida pelas suas críticas em relação ao Islã. Atuante do Partido Liberal, já foi deputada do Parlamento holandês. Também atuou como roteirista de cinema em Submissão – Parte I, o curta-metragem de Theo Van Gogh sobre a repressão sofrida pelas mulheres no Islã, história oriunda de uma ameaça de um fundamentalista islâmico. Ganhadora do prêmio Liberdade do Partido Liberal da Dinamarca "pelo seu trabalho a favor da liberdade de expressão e dos direitos das mulheres" e do prêmio Democracia do Partido Liberal da Suécia "pelo seu corajoso trabalho a favor da democracia, direitos humanos e direitos das mulheres".

Foi com grande expectativa e com um esquema de segurança pessoal que Salvador aguardou a chegada de Ayaan Hirsi Ali, conferencista do Fronteiras Braskem do Pensamento, no dia 1º de julho, às 20h, no Teatro Castro Alves (TCA), em Salvador.

O TCA foi palco do encontro com uma mulher que transgrediu as grades de sua própria cultura e rompeu as fronteiras do pensamento em direção à liberdade. Na conferência, ela falará sobre o seu livro Infiel. A História de uma mulher que desafiou o Islã (Companhia das Letras, 2007), uma autobiografia, onde narra a trajetória de sua vida e conta o caminho que a levou de uma infância na África a se converter em afamada deputada e escritora. Mostra ainda sua infância tradicional muçulmana na Somália até o despertar intelectual na Holanda e a existência cercada de guarda-costas no Ocidente.

Os cerca de 1500 baianos que adquiriram o passaporte para o ciclo de conferências tiveram a oportunidade, talvez única, de presenciar e ouvir a história de vida da somali naturalizada holandesa, e conferir o que tem por trás da aparência frágil e do cerco de muitos seguranças.

http://www.fronteirasdopensamento.com.br/salvador/ba_home.php

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Considerada pela revista americana Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo, Ayaan Hirsi Ali conversou com o Folha por telefone. A entrevista só pôde ser feita após fortes precauções de segurança, a fim de que se pudesse, ao máximo, esconder o paradeiro dela.

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FOLHA – Depois de mais de um ano vivendo nos Estados Unidos, como é sua vida no país?

AYAAN HIRSI ALI – Está muito boa, eu gosto muito de estar lá. É muito simples se integrar aos EUA, já que eu tenho alguns privilégios. Eu falo a língua, eu tenho um emprego. Foi bem tranqüilo para eu me adaptar.

F – Como o trabalho se encaixa na sua vida atualmente, depois de ser deputada na Holanda e se afastar da política?

AHA – Bem, é muito normal. Eu trabalho, eu escrevo, eu viajo, eu faço palestras, publico artigos. Continua agitada, mas menos agitada. É mais previsível, mas confortável do que quando eu era deputada.

F – Você acha que um dia vai se sentir americana, como declarou se sentir holandesa?

AHA– Sim (risos), aparentemente. Acho que assim como muitos outros americanos que estão lá, especialmente os da primeira geração. Eles foram muito fortes, eu penso que também posso ser assim.

F – O que você acha da indicação de Barack Obama para disputar as eleições americanas? Identifica-se com suas propostas em relação à imigração e acha que o fato dele ser de origem queniana pode influenciar numa nova postura em relação à África?  

AHA– Eu acho que ele é um homem brilhante. Eu espero que ele cumpra o que ele vem dizendo, mas não sei se ele pode mudar muito o que acontece na África. Se ele for eleito presidente dos Estados Unidos, vai lidar com muitos interesses e políticas. E eu acho que na África a política dele não vai ser muito diferente dos outros, sendo realista. Seria uma grande façanha ele ser presidente dos EUA pelo partido democrata com a estrutura que tem pessoalmente. Teve mãe solteira, um pai poligâmico, ele veio do Quênia. Obama é um exemplo não apenas para os negros americanos, mas para todos os negros. Mas, se ele for eleito, será presidente dos Estados Unidos, não da África. É algo que devemos ter cuidado. Ele não é um messias, é um político.

F – Mas você acha que o povo africano que sofre com ditaduras e perseguições, como no caso recente das eleições no Zimbábue, podem enxergar nele uma esperança de melhora ou as pessoas não se importam muito com isso?

AHA – Eu acho que os africanos podem considerar Obama um modelo para eles. Eu acho que todos que pensam que um negro não pode ser um presidente, um grande líder, que não pode chegar a nenhum lugar com mérito estão sendo desmentidos por Barack Obama. Mas quando ele for presidente, vai encontrar oposição do partido republicano, como ele teve nas prévias com Hillary Clinton.

F – A discussão racial não costuma aparecer na sua fala, nem tem espaço de destaque na sua autobiografia. Você não enfrentou problemas raciais na Holanda ou nos EUA, ou os percebeu?

AHA – Nos Estados Unidos, sinceramente, não. Eu acho que por causa da minha experiência, meu jeito de entrar... Veja, eu não entrei nos EUA como uma refugiada mexicana, não vim como uma imigrante ilegal do Haiti. Eu não sei como eles são tratados, não sei como é essa experiência. Eu só encontro algumas dessas pessoas casualmente, quando elas estão fazendo trabalhos manuais. E aí eles me dizem, se eles falarem inglês, sobre algumas terríveis experiências. Antes de ir para lá, eu tinha um passado, uma atividade. Eu fui convidada pelo governo para morar lá. Eu falo a língua, eu tenho um trabalho, tive uma educação superior. Todas essas coisas realmente importam.

F – Então, você acha que o racismo nos EUA é um problema socioeconômico e não de raça ou origem?

AHA – Sim. Todas essas questões de racismo estão ligadas a isso. 

F – A situação das mulheres mulçumanas se modificou depois da série de denúncias que você fez nos livros e no filme?

AHA – Bem, em quase todos os lugares que eu vou falar sobre o livro, eu encontro com mulheres muçulmanas. E a maioria não concorda comigo. E aquelas que geralmente concordam ficam anônimas, têm medo de acontecer alguma coisa com elas.
F – Você já disse que, apesar de viver com uma sentença de morte, sente-se uma mulher de sorte. Você acha que pagou um preço muito alto por isso?

AHA – Eu tenho minhas convicções e quero participar desse debate sobre o Islã e o Oeste e, especialmente, sobre as mulheres muçulmanas. É importante para mim. Mas as pessoas que acham que eu estou atacando elas, usam a intimidação e ameaças para tentar me calar. Mas enquanto tiver segurança, eu não vou me calar e vou continuar expondo meu ponto de vista.

F – O que a motivou a vir o Brasil?

AHA – Eu fui convidada para vir ao Brasil para divulgar Infiel ano passado, mas não pude por causa de problemas de segurança. Mas, agora, meu editor estabeleceu contato com um representante aqui e eles dois conseguiram com o governo brasileiro que eu pudesse ter a proteção adequada.

F – Aqui na Bahia nós tivemos um grande número de escravos vindos da África, no passado. Salvador é a segunda cidade em população negra do mundo, atrás apenas de Lagos, na Nigéria. A vida das mulheres negras aqui pode ser tão difícil como nos países da África. Que mensagem você mandaria para essas mulheres?

AHA – Eu acho que os problemas sociais e econômicos não têm muito a ver com a origem, e sim com a cultura. Mas, sinceramente, eu não conheço muito os problemas do Brasil. Recentemente, eu estive em um simpósio em Ruanda, um país apenas com negros, e a economia deles está crescendo a 8% ao ano, quase a mesma coisa que a China. E isso aconteceu porque eles mudaram a cultura deles. As mulheres estão se emancipando, se educando. Em vez de guardar dinheiro, o governo está investindo em educação e estão indo muito bem. E isso não tem nada a ver com a cor deles. Acho que os negros têm que aprender a quebrar alguns tabus, rejeitar alguns valores familiares hereditários para que possam crescer. Acho que isso é uma das coisas bem complexas que eu tenho visto na América... E mais uma vez, eu realmente não sei quase nada sobre o Brasil (risos).

F – Como está atualmente a relação com sua família? Gostaria de voltar um dia à Somália ou ao Quênia?

AHA – (Risos) Eu gostaria, mas agora... você sabe, é impossível. A relação não é tão ampla. Bem, de mim para eles não há problema.

F – O problema é eles chegarem até você.

AHA – Sim, e eles também têm um problema com a religião.

http://www.correiodabahia.com.br/folhadabahia/noticia.asp?codigo=156533

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