Parte I - Fundamentos do Budismo - Os quatro sofrimentos da vida: Nascimento, velhice, doença e morte

terça-feira, 4 de março de 2008

Com a finalidade de sobrepujar os sofrimentos é que foram fundadas as várias religiões. O budismo, da mesma forma, surgiu a partir dessa busca para solucionar os problemas fundamentais da existência humana, os chamados quatro sofrimentos da vida: nascimento, velhice, doença e morte. Estes constituem um processo cíclico assim como as quatro estações do ano — primavera, verão, outono e inverno. O nascimento pode ser comparado à primavera, quando os brotos rebentam e a vida desabrocha e se manifesta com todo esplendor. A partir do momento em que se nasce, dá-se o processo de envelhecimento, de desenvolvimento ou amadurecimento. Dessa forma, a velhice é como o verão. Muitas vezes, o processo de amadurecimento ou do aprendizado é árduo e doloroso como o sol ardente, no entanto, ele é necessário para se atingir a luz da sabedoria. A doença corresponde ao outono, estação de queda das folhas e de energia. A morte associa-se ao inverno, um período frio, de inatividade e profundo silêncio, mas que não representa absolutamente o fim. Da mesma forma que alguns animais no período de hibernação fazem uso da energia acumulada para atravessar esse período, a vida permanece em estado latente; ela não se extingue com a morte, mas se prepara para o renascimento, repetindo todo o ciclo.

Tudo no Universo — as galáxias, as estrelas, os planetas e todas as formas de vida — existe respeitando um processo contínuo e infinito chamado de quatro estágios, que são: formação, continuação, declínio e desintegração. Esses estágios também podem ser associados aos quatro sofrimentos. Dessa forma, o nascimento corresponde à formação; a continuação ou desenvolvimento, à velhice; o declínio, à doença; e a desintegração, à morte.

Conforme já mencionado, o propósito das religiões é possibilitar às pessoas a vencerem os sofrimentos fundamentais da vida. O budismo surgiu do questionamento de Sakyamuni a respeito da razão de os seres humanos terem de passar pelos quatro sofrimentos. Esse episódio é conhecido como "passeio pelos quatro portões".

O "encontro" com os quatro sofrimentos

Dizem que o jovem Sakyamuni deixou seu palácio de Kapilavastu em quatro ocasiões distintas. Saindo pelo portão leste, encontrou um homem encurvado e enrugado pela idade. Ao sair pelo portão sul, viu um enfermo. Em sua terceira saída, pelo portão oeste, viu um cadáver. Por fim, saindo pelo portão norte, encontrou um asceta religioso. O idoso, o enfermo e o cadáver representam os sofrimentos da velhice, doença e morte. Junto com o nascimento (ou a própria vida), essas condições se denominam "os quatro sofrimentos" — os problemas fundamentais da existência humana. Sakyamuni percebia o preconceito das pessoas em relação à velhice, doença e morte, como se essas questões dissessem respeito somente aos outros, bem como também o medo que elas tinham de encarar a própria realidade, preferindo ignorá-la. O motivo pelo qual Sakyamuni abandonou sua condição de príncipe para seguir a prática ascética foi unicamente para descobrir como superar os quatro sofrimentos. Porém, essas práticas falharam e ele passou a dedicar-se à profunda meditação. Após travar uma grande batalha contra suas próprias fraquezas e de muita persistência em sua busca, atingiu a tão almejada iluminação.

Qual, afinal, era essa verdade compreendida por Sakyamuni ao iluminar-se? No romance Nova Revolução Humana consta a respeito desse momento: "Sakyamuni percebeu que o Universo marca a cada instante um ritmo constante de criação e mutação, o mesmo acontecendo com os seres humanos que nascem, crescem, envelhecem e morrem, para depois nascerem novamente. Nada no mundo, mesmo a natureza ou a sociedade humana, permanece imutável mesmo por um instante. Todas as coisas e todos os fenômenos do Universo emergem e se extinguem de acordo com a interação de fatores circunstanciais. Nada se forma ou subsiste isoladamente. Todas as coisas estão interligadas tanto na extensão de tempo como de espaço, e elas originam-se e manifestam-se de acordo com suas inter-relações. Cada fator opera ora como causa, ora como efeito e ora como circunstância, sobre o qual reina a Lei da vida.

"Sakyamuni alcançou o domínio sobre a natureza mística da vida, por meio do qual obteve também a convicção de que poderia desenvolver ilimitadamente a sua condição de vida. Todas as adversidades, obstáculos e perseguições já eram para ele como partículas de pó lançadas ao vento.

"Ele pensou: 'Por desconhecer esta verdade absoluta, as pessoas se iludem pensando que são auto-suficientes em manter sua vida individualmente e sem depender de outros. Essa ilusão as leva, no final, a tornarem-se prisioneiras de suas ambições mundanas, afastando-se da eterna e imutável Lei da vida. Com isso, perdem-se na escuridão das ilusões e acabam se afogando no mar da infelicidade e dos sofrimentos. Entretanto, essa escuridão nada mais é do que a divagação na própria vida — a fonte de todos os males e a causa fundamental do sofrimento humano e representado pelo nascimento, velhice, doença e morte. Por esta razão, o caminho da humanidade e da indestrutível felicidade somente pode ser desbravado ao se combater a maldade alojada no âmago da vida.'"

A fim de fazer com que as pessoas compreendessem a verdade para a qual havia despertado e se libertassem dos sofrimentos do nascimento, velhice, doença e morte da mesma forma que ele próprio conseguira, Sakyamuni valia-se de parábolas e procurava fazê-las refletir por meio da própria vivência ou de experiências. Esse foi o caso de uma mãe que ele encontrou em Shravasti e que vagava pelas ruas carregando o filho morto nos braços. A mulher suplicou-lhe desesperadamente que lhe desse um remédio para salvar o filho. Seus olhos estavam vermelhos e emitiam um brilho estranho. Sakyamuni logo compreendeu a situação e disse: "Está bem. Vou preparar esse remédio. Vá até a cidade e traga-me algumas sementes de papoula." Isso despertou a esperança no coração da pobre mãe. Porém, ele complementou: "Contudo, a senhora deve obter as sementes de papoula de uma casa onde nunca houve mortes na família." Imediatamente, a mulher foi para a cidade e, de casa em casa, procurou pelas sementes de papoula. Em algumas, ela até as encontrou, porém não havia uma família sequer que não tivesse perdido algum ente querido. Com isso, a mulher percebeu a transitoriedade da vida e descobriu que não era a única a sofrer com a perda do filho. Ela então se tornou uma seguidora de Sakyamuni, admirada por todos como uma pessoa muito nobre. Esse exemplo expressa o propósito fundamental do budismo: remover os sofrimentos das pessoas e oferecer-lhes alegria para viver.

Muitos podem se perguntar: por que são exatamente quatro se há inúmeros outros sofrimentos na vida?  Há também os chamados "oito sofrimentos", que são oito tipos de sofrimentos universais mencionados no Sutra do Nirvana e em outros escritos. São os quatro sofrimentos de nascimento, velhice, doença e morte adicionados a mais outros quatro: ter de separar-se daqueles a quem ama, ter de encontrar aqueles a quem odeia, ser incapaz de obter aquilo que deseja e o sofrimento derivado dos cinco componentes3 que formam o corpo e a mente de uma pessoa.

Na realidade, quatro não é um número exato ou fechado. Os quatro sofrimentos sintetizam ou representam todos os demais sofrimentos da vida, pois a cada um deles — nascimento, velhice, doença e morte — estão vinculados inúmeros outros. Visto que os sofrimentos fazem parte da vida e sempre irão existir, o que então pode ser feito a respeito? A chave está em saber transformá-los. E este é justamente o propósito da fé. A prática do Budismo de Nitiren Daishonin possibilita às pessoas triunfarem sobre as ilusões e sofrimentos do nascimento e da morte e estabelecer um estado de vida interior inabalável. Para isso, Daishonin deixou um meio concreto: revelando a Lei do Nam-myoho-rengue-kyo e inscrevendo o Gohonzon, o objeto de devoção da fé budista. Em seu escrito "Sobre atingir o estado de Buda nesta existência", Daishonin diz: "Se o senhor deseja livrar-se dos sofrimentos do nascimento e da morte que tem suportado desde o tempo sem início e atingir infalivelmente a suprema iluminação nesta existência, deve despertar para a verdade mística que sempre existiu inerentemente em todos os seres vivos. Essa verdade é Myoho-rengue-kyo. Recitar Myoho-rengue-kyo o possibilitará compreender a verdade mística inata em toda vida."  A Lei Mística é, portanto, a fonte inesgotável de esperança, força e coragem para enfrentar a realidade, por pior que seja, e transformar qualquer situação em oportunidade para o crescimento. Por meio da recitação do Nam-myoho-rengue-kyo as pessoas podem transformar os quatro sofrimentos de nascimento, velhice, doença e morte nas quatro virtudes de eternidade, felicidade, verdadeira identidade e pureza, que caracterizam o estado de Buda.

Fonte: ABRIL DE 2006 — TC EDIÇÃO Nº 452

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