Aos 30 anos, a escritora nigeriana diz que mundo não enxerga os africanos comuns

domingo, 6 de julho de 2008

"A raiva é um bom motivador"
 
Aos 30 anos, a escritora nigeriana diz que mundo não enxerga os africanos comuns
 
Juliana Krapp e Rachel Almeida
 
Paraty
 
Caçula entre os convidados internacionais da 6ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que termina hoje, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, de 30 anos, descobriu em sua primeira visita ao Brasil que o país tem muitas semelhanças com a Nigéria. A escritora passeou de barco, bebeu caipirinhas, experimentou o caju, mas tirou da bagagem, ontem de manhã, os temas nada solares que a trouxeram à cidade. Dona de uma prosa densa e, ao mesmo tempo, devastadora e requintada, a vencedora de prêmios como Orange e o Hurston/ Wright Legacy dividiu com o angolano Pepetela, de 67, a mesa Guerra e Paz.
 
É assim, pelo menos, seu segundo romance, Meio sol amarelo (Companhia das Letras), que Chimamanda lança em Paraty – o primeiro no Brasil. Conta a história da guerra Nigéria-Biafra de 1967-70, com todo o terror que o episódio carrega. Mas conta também histórias de afetos que se desdobram em meio à violência. Um olhar que é herança de família: apesar de não o ter vivenciado, Chimamanda perdeu seus avós no conflito. E cresceu ouvindo relatos sobre os anos terríveis. Dos quais extraiu histórias de amor.
 
"O legado brutal do colonialismo me deixa furiosa". É o que a senhora afirma, em seu site. Como a raiva pode ajudar em sua produção literária?
 
– A raiva é um bom motivador desde que a pessoa não deixe esse sentimento se sobrepor à razão. Ser um artista significa estar sempre furioso, ávido por mudanças.
 
'Meio sol amarelo' relata cenas terríveis. Que parte do livro foi a mais difícil de imaginar?
 
– As cenas do massacre e do estupro. Elas foram difíceis principalmente porque, apesar de eu não ter vivenciado a guerra, minha família passou por isso e me sinto muito ligado às histórias.
 
A senhora acha que existe uma literatura africana? Ou esse título é um erro?
 
– Sou ambivalente em relação a rótulos, principalmente quando se aplicam a uma parte do mundo com uma história tão complicada como a da África. Falar em literatura africana seria bom se a denominação não viesse cheia de expectativas. Há pessoas que têm idéias estereotipadas sobre como a autêntica literatura africana deveria ser e isso é problemático. Se o rótulo fosse abrangente seria interessante.
 
Quais são seus autores africanos preferidos?
 
– Não tenho autores preferidos, mas livros. Como The African child (A criança africana), de Camara Laye.
 
A senhora divide seu tempo entre os EUA e a Nigéria. Quais são os problemas das visões dos americanos sobre a África?
 
– Não acho que isso esteja limitado aos americanos. Acredito que, para grande parte do mundo não-africano, todos os africanos são muito pobres ou estão morrendo por causa de doenças e guerras, e então não enxergamos os africanos comuns que levam suas vidas.
 
Existe um colonialismo literário?
 
– Sim, a dominação cultural americana está espalhada pelo mundo. Os livros americanos são vendidos na Nigéria, e a música e os filmes americanos são o modelo em meu país. Acredito que seja uma função do poder político, econômico e militar. Se a Nigéria tivesse o poder que os EUA têm, os livros nigerianos provavelmente seriam os mais vendidos no Brasil. Dito isso, acredito piamente que a literatura não devia ser limitada por fronteiras políticas.
 
Seu país é uma das maiores indústrias alternativas de filmes no mundo. Como descreveria a cena cultural na Nigéria?
 
– É incrivelmente vibrante. Alguns dos filmes não são bem feitos em termos técnicos, mas adoro Nollywood porque acho importante e estimulante que tenhamos filmes e música feitos pelos nigerianos, com recursos de nigerianos e consumidos por nigerianos.
 

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