Bastidores da produção no Egito, do filme 'The passenger', bancado pelo ministro da cultura.

sábado, 5 de julho de 2008

Um grupo heterogêneo de estrangeiros –professores de língua inglesa, estudantes de árabe e até mesmo um jornalista– reunido em uma noite fria recente, na cidade portuária egípcia de Alexandria. Juntos pelo amor ao cinema, pela curiosidade e pelo desejo furtivo de flagrar uma olhadela de Omar Sharif.

Foto: Paul Schemm/AP
A atriz libanesa Cyrine Abdelnour nos bastidores das filmagens de ''The passenger''
(Foto: Paul Schemm/AP)

Glamour, entretanto, estava em falta para o nosso grupo de extras de cinema. Esperando por horas em nossos figurinos da década de 40, nós relaxávamos no elegante bar de um luxuoso hotel, comendo lanche frio do McDonald's e esperando para filmar uma cena de cinco minutos em uma sala de jantar. Os atores principais ainda tinham que aparecer.

Mesmo assim, era uma oportunidade única, a que eu tinha buscado durante a década em que vivi no Egito –especialmente desde que essa produção vem sendo anunciada como o renascimento do cinema egípcio.

"Tha passenger" tem um elenco cheio de estrelas egípcias, liderado por Sharif em um retorno ao cinema egípcio após 15 anos de ausência. O filme vem sendo anunciado pelo ministro da cultura Farouk Hosni como um "retorno à era dourada do cinema". É o próprio ministro que está bancando a produção, pela primeira vez que isso é feito em 30 anos, num esforço de motivar a debilitada reputação daquilo que conhecemos como A Hollywood do Oriente Médio.

O Egito tem umas das mais antigas indústrias de cinema da região. Há 50 anos, produzia filmes equiparados aos de Hollywood. Mas nas últimas duas décadas, veio decaindo, lançando juntas comédias mal-feitas e melodramas exagerados, com produções pobres.

"No Oeste, o filme tem uma grande posição, e costumava ser da mesma forma aqui, nos anos 40 e 50. Até que algo aconteceu e isso se transformou, não sei por que, economia de segunda classe", afirmou Amr Waked, um dos atores egípcios, que também aparece em "The passengers". Ele é mais conhecido para espectadores estrangeiros como o líder terrorista do filme "Syriana" (2006), de George Clooney.

Críticos têm responsabilizado o declínio do cinema egípcio a uma série de fatores. O crescente conservadorismo islâmico transformou os filmes em desonrosos, enquanto, ao mesmo tempo, a fonte de recursos secou.

O ministro da cultura espera que, em retorno a seu trabalho de financiar o cinema –forma usada em muitos países–, o filme "The passenger" também possa mostrar qualidade. O longa é um épico que reúne várias gerações, passado em 1948, 1973 e 2001, e o diretor estreante Ahmed Maher levou um ano para rodá-lo.

"Houve a necessidade de capturar as coisas certas, não importa quanto tempo levasse nem quantas vezes precisasse ser repetido. Diferentemente de outras produções egípcias, nos quais muitas vezes eram aceitas concessões para serem finalizadas rapidamente", diz Waked.

Foto: Paul Schemm/AP 
Paul Schemm/AP
Figurantes estrangeiros se preparam para entrar em cena, no caminhão improvisado como camarim
(Foto: Paul Schemm/AP) Bastidores e ação

O caprichado processo ficou muito claro em nossa cena, naquela noite, assim que as duas dúzias de estrangeiros –da Inglaterra, dos EUA, da França, de Porto Rico, da Alemanha e da Suécia– foram transformados em personagens de um jantar do pós-guerra em um cruzeiro de luxo.

Caminhões estacionados do lado de fora do hotel onde as cenas estavam sendo filmadas serviram de sala temporária de maquiagem e camarim. No clarão das luzes, cabeleireiros trabalhavam para alisar e encaracolar os cabelos de cada uma das atrizes extras, todas elas usando elegantes vestidos de bailes.

Fui escolhido para ser um garçom. Infelizmente, eu não teria a chance de contracenar com Sharif. Ele apareceria apenas nas cenas passadas em 2001 e minha breve aparição em um terno branco era meio século antes disso. A cena foi rodada em um luxuoso hotel que serviu como residência para a família real egípcia. O restaurante foi usado como a sala de jantar do navio e Maher tirou os avisos de não fumar que inadvertidamente haviam sido colocados sobre as mesas.

Antes da cena, o diretor, que passou anos na Itália, conversou em italiano com o diretor de fotografia, Marco Oronato, cujo filme "Gomorra" recebeu recentemente o Grande prêmio no Festival de Cannes. Assim, quando a filmagem finalmente teve início, à 1h da madrugada, Maher gritou no set a versão egípcia para "luzes, câmera, ação": "Doh! Tasweer! Action!".

A câmera roda em volta do casal principal: o ator egípcio Khaled Nabawy, que apareceu em "Cruzada" de Ridley Scott, sentado em frente à diva libanesa Cyrine Abdelnour. Nabawy interpreta um carteiro de classe baixa que intercepta cartaz entre Abdelnour e seu namoradinho de infância, por quem se faz passar na tentativa de ganhar o coração dela. Eu, no meu papel de garçom, estava precariamente tentando equilibrar dois pratos no braço. Alguns minutos antes de eu aparecer em cena, um garçom de verdade do restaurante me mostrou como eu deveria carregar os pratos e a forma correta de servir vinho.

Atravessei o salão de jantar desesperadamente, tentando lembrar minha fala em inglês, "excuse me" e ao mesmo tempo parecer verdadeiro ao servir os clientes. Felizmente, a cena saiu mais ou menos sem falhas, apesar de eu ter soltado minha fala antes do combinado. Mas era apenas um ensaio, e tivemos mais "takes" adiante.

Horas mais tarde, estava tudo terminado. Mais uma cena finalizada. Restavam apenas mais algumas semanas de filmagens e a odisséia de um ano e meio para os atores estaria encerrada.

Fonte: G1

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